O Astronauta

Eram 5:26 da manhã e Victor estava já atrasado, teria que pular o café da manhã do dia e correr feito um desesperado. Não que ele tivesse a oportunidade de, apenas olhando pela janela, saber se era manhã ou noite, mas gostava de manter as tradições terráqueas mesmo estando há quilômetros de distância no espaço. Vic já estava em seu 175º dia de missão espacial, ou mais precisamente o último do planejado inicialmente. Seus afazeres correspondiam basicamente em realizar diversos experimentos usando o espaço sideral como elemento-chave.

A missão de despedida era bem simples, na verdade era mais a conclusão da iniciada no dia anterior, e se tratava apenas de verificar as condições de crescimento de vegetais plantados em gravidade zero. O relatório deveria ter sido enviado até as 3:00 da manhã, mas quase três horas depois lá estava ele vestindo seu traje espacial e se dirigindo à pequena zona de agricultura na Estação Espacial Latino-Americana (ELA). Enquanto se dirigia apressado ao seu destino, Vic notou pela primeira vez que as luzes do teto haviam mudado da cor usual para um tom de verde bem claro, não perdeu muito tempo com isso, uma vez que as luzes voltaram ao normal no exato momento que ele imprimiu sua digital na porta de entrada da plantação.

Deu um rápido aceno para as câmeras do local sem de fato olhar diretamente para elas, estava com a cabeça baixa repassando mentalmente seu itinerário do dia, lembrou-se principalmente de incluir uma justificativa plausível para o seu atraso. O bom de estar sozinho em uma missão numa estação espacial é que não há ninguém para lhe contradizer, mesmo a Inteligência Artificial que o auxiliava em suas atribuições, não tinha acesso a nenhum lugar da estação a não ser o comando central.

Fazendo o seu trabalho o mais rápido possível, Vic conseguiu concluir o relatório em menos de uma hora e logo estava de volta ao seu dormitório, pegou um pequeno saco de alumínio lacrado a vácuo que estava em um armário e o acoplou em uma enorme máquina que o fez encher com água quente. Não era nenhum cappuccino, mas era cafeína o suficiente para mantê-lo desperto. Os saquinhos vinham identificados por números, cada um para um dia, e Vic não sabia como expressar a felicidade em finalmente ver o número 175 marcado no objeto metálico, estava prestes a voltar para casa, onde poderia então tomar café puro, comer queijo e usar o banheiro sem precisar se amarrar ao vaso.

Ao se dirigir ao comando central, Vic falou em tom de confissão para AI-34:

– Dormi demais de ontem pra hoje, perdi o horário do relatório em quase quatro horas.
– Se tivessem me autorizado a estar presente na estação toda, isso não teria acontecido. – respondeu a máquina.
– Você sabe muito bem que não é preciso, hoje é meu último dia aqui e é a primeira vez que isso acontece. Já deu tempo inclusive de terminar o relatório e fazer meus exames de rotina. Enviei os documentos há algumas horas, mas ainda não obtive resposta, você soube de algo?
– Você já tomou o seu café do dia? – disse AI-34 ignorando a pergunta do terráqueo. Se sim, por favor, se dirija à cabine M do setor 2, a estação brasileira lhe espera.

Vic estranhou a resposta da inteligência artificial, não pelo fato dela ter ignorado sua pergunta, mas sim porque nunca sequer havia ouvido falar de uma sala M no setor 2, mas ao se dirigir ao local lá estava ela localizada ao lado de uma máquina igual àquela que lhe dava café todos os dias. Ao colocar seu dedo em um leitor, a porta se abriu e revelou uma pequena sala apertada com uma cadeira no meio. Sentou-se e nos telões em sua frente apareceram mensagens de amigos e familiares, achou que se tratava de uma homenagem de despedida e se ajeitou confortavelmente onde estava.

Aos poucos seus olhos foram pesando e poucos minutos depois mal conseguia distinguir as pessoas que estavam lhe dando os parabéns. O som ao redor foi diminuindo e o local foi tomado por um breu. O corpo de Vic estava imóvel e bastante pálido, as luzes da sala foram gradualmente se apagando e logo depois ouviu-se um barulho metálico vindo de fora. A sala então havia se desvinculado da estação e se distanciava em uma velocidade constante. Do ponto de vista da ELA, a sala era, na verdade, uma nave oval com um raio de aproximadamente 2 metros, e pela distância do momento lembrava bem uma bola de futebol.

As luzes da nave voltaram a ficar verde claro, mas dessa vez não havia ninguém para perceber a alteração. Elas ficaram assim por bastante tempo, até que da porta da sala do comando central sai um homem alto de pele parda usando um traje espacial.

– Olá Vic, seja bem vindo à Estação Espacial Latino-Americana, eu sou AI-35 e vou auxiliá-lo em sua missão de duração de 175 dias.
– Obrigado AI-35, eu estava bem ansioso por essa viagem, minha primeira missão solo!
– Por hoje não tem nada programado, descanse um pouco, amanhã tem alguns relatórios para serem feitos em uma plantação artificial que a estação mantêm. A despensa fica ao lado do seu quarto, lá já estão estocados toda sua comida de sua estadia, é importante que você siga à risca a numeração do pacote com o dia correspondente da missão.
– Sim, sim, o treinamento foi bem enfático em relação a isso. Bom, já que não tem nada pra hoje, vou descansar um pouco, não quero acordar tarde logo no meu primeiro dia.

Detective: There aren’t too many like you. Are there Simon?
Simon: I’d like to think I’m pretty unique.
(O Duplo, 2013)

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