Terças e Quintas

Nada parecia chatear mais Arthur Stewart do que levar o lixo para fora do apartamento. Mas, ainda assim, por morar sozinho e não poder pagar um empregada, era o trabalho regular que ele odiava fazer todas as noites de terças e quintas. E aquela quinta parecia ser exatamente tediosa quanto às outras quintas em que Arthur levava o lixo para fora. Talvez o fato de ter que descer 5 andares de escada com sacos cheirando a podridão o fazia responsável pelo mau cheiro que impregnava no prédio nas manhãs de quartas e sextas. Mas essa não era a razão pela qual Arthur odiava levar o lixo para fora. No caminho ele encontrava com um número considerável de vizinhos e se tinha alguma coisa que Arthur odiava mais do que levar o lixo para fora todas terças e quintas, era ter que falar com vizinhos.

– Boa Noite Sr. Stewart. Pelo visto você também deixou o lixo pra última hora, muito trabalho durante o dia? – perguntou a velha baixinha do 413 que Arthur não sabia o nome, mas que mentalmente a chamava de Sra. Enxerida.

– Boa noite pra senhora também. – Arthur se limitou a essa resposta. Ao perceber que a velha iria iniciar uma conversar, possivelmente com mais perguntas, deu as costas para a Sra. Enxerida e apressou o passo antes que ela pedisse ajuda; ainda faltavam três andares.

Talvez se Arthur tivesse ouvido a senhora, ela teria tido a chance de informá-lo que o segundo andar estava todo ensaboado. É claro que essa preciosa informação não viria sem que antes a Sra. Enxerida do 413 explicasse que uma jovem havia chegado bêbada de uma festa e sujado todo o salão e que seu pai havia lhe obrigado a lavar azulejo por azulejo como punição. No meio da conversa, provavelmente surgiriam outras tantas perguntas, algo que Arthur tentara evitar.

As luzes do segundo andar estavam apagadas. Arthur não saberia dizer se aquilo era normal ou não, uma vez que quase não saia de casa, senão para receber seu pagamento – Arthur trabalhava para um site, criando novas formas de spam – e para, fatidicamente, jogar o lixo fora todas as terças e quintas. Não era casado, não tinha empregada, nem filhos e há tempos não tinha nem sequer uma namorada. Evitava comer fora, fazia suas compras no supermercado mensalmente e vez ou outra ia ao cinema. Tentava levar a vida sendo o mais invisível possível. E continuaria assim caso tivesse parado para ouvir a Sra. Enxerida.

Quando a velhinha de pernas curtas ouviu o estrondo seguido do grito, imaginou o que teria acontecido e começou a gritar. E a correr. Arthur de fato havia escorregado e batido a cabeça, como imaginara a vizinha, mas a cena que se formara jamais havia passado pela mente da pobre senhora. Todas as sete sacolas de lixo que Arthur carregava voaram da sua mão, e caíram exatamente onde o corpo, agora imóvel, estava. O grito da velha fez efeito, e em poucos segundos uma pequena multidão havia se formado no local ensaboado, agora ainda mais sujo com lixo e sangue.

Arthur morreu naquela noite de quinta, cheio de lixo e rodeado por seus vizinhos. Se pudesse ver aquela cena, provavelmente teria se morrido novamente. Arthur realmente odiava as noites de terças e quintas.

“Remember: the time you feel lonely is the time you most need to be by yourself. Life’s cruelest irony.”
Douglas Coupland, Shampoo Planet

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