O Transportador

– Eu tô atrasada, né?
– Não, a gente tem tempo ainda.
– É que é minha primeira vez, eu não sei o que vestir.
– Tecnicamente não é a sua primeira vez, e o que você veste não faz muita diferença.
– É, eu sei. Mas eu quero ficar bem bonita, eu sei que não vou lembrar depois, mas eu quero, sabe?
– Não. Mas tudo bem, não estamos atrasados.

[Lucy nem ouviu essa última resposta, estava ocupada demais passando alguns produtos no rosto, arrumando o cabelo e procurando um par de brincos perfeito. Não havia meia hora que um senhor alto usando um terno marrom havia batido em sua porta naquela noite de Natal. Ela não se lembrava ao certo se havia o convidado pra entrar, mas sabia o porquê ele estava ali.
– Vim lhe buscar.
– Eu já imaginava, deixa só eu me arrumar.
– Não precis…
– Eu sei, mas é rápido. ]

– Eu achei que você só usasse preto.
– Como?
– Sei lá, na minha cabeça a única imagem que eu tenho de você é usando uma roupa preta. Vai ver não tava mais na moda, né?

O senhor deu um riso de canto de boca meio forçado, mas não perceptível. Aquela era a última da lista do dia. Olhou as horas pela terceira vez em cinco minutos. Não poderiam estar atrasados porque o tempo ali não mais os escravizava, e poderia facilmente ser controlado caso quisesse. A moça o olhou pelo reflexo do espelho e perguntou:

– Como foi que eu morri?
– Perdão?
– Eu estou morta, não estou? Eu sei que eu deveria saber como eu morri, mas eu não me lembro de nada, a ultima coisa que me lembro é da novela passando. E se tem alguém que pode me explicar, bem, é a Morte.
– Mas eu não sou a Morte.
– Ah, não é não? Então eu tô viva?
– Não, você morreu mesmo.
– Hmmm…

O silêncio começava a preencher o ambiente, Lucy voltou aos seus produtos um pouco mais triste do que já estava. O senhor de marrom olhou mais uma vez para o relógio, respirou fundo e então disse:

– Eu sou só o responsável pelo transporte de sua alma, não sou eu quem a tira de você.
– Entendo. Bem, de qualquer forma eu não pareço ter sido espancada, nem levado um tiro. E acho difícil ter morrido do coração com 23 anos.
– Talvez você tenha se matado com essas pílulas.
– É, talvez… Ei, pra onde você vai me transportar?
– Pra onde? Pra outro corpo, um que vai nascer.
– Mas já? Eu acabei de morrer, não dá pra eu aproveitar um pouco?
– Aproveitar?
– É, sei lá, eu queria assustar uns amigos meus. Ei, eu posso voar?
– Srta. Lucy, você… morreu, você não ganhou poderes.
– Tá eu sei, mas é que nos filmes a gente sempre vê uma alma vagando pelo…
– Ok, vamos indo, – disse o senhor interrompendo a frase antes que ouvisse uma besteira – err, estamos atrasados, vamos!

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